Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Estado de São Paulo

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“Quando a República espera a Audiência do Ministro”

 Quando o ministro Alexandre de Moraes travou, numa só canetada, o decreto presidencial que aumentava o IOF e o decreto legislativo que o anulava, convocando ainda uma “audiência de conciliação” entre Executivo e Congresso, ele acionou um gatilho conhecido do nosso desenho constitucional: o de colocar o Supremo Tribunal Federal como árbitro de crises políticas.

Na minha tese “Tensão na República” (USP/2025) mostro que o STF passou a usar instrumentos processuais — liminares amplas, audiências públicas, mediações — como rituais de antecipação: ele entra em campo antes que o jogo democrático produza seu resultado. A intenção costuma ser “evitar danos”, mas o efeito colateral é concentrar imenso poder decisório em um espaço que não foi projetado para legislar, nem para governar.

É daí que brota o incômodo expresso pelo senador Márcio Bittar no tuíte que correu as redes. Não se trata, porém, de “golpe” togado; trata-se de um vazio de engenharia institucional. A Constituição de 1988 deu ao Supremo a chave do controle de constitucionalidade, mas não instalou freios suficientes para o uso de liminares individuais com efeito para todo o país, principalmente em matéria fiscal. Quando esse dispositivo se combina com a urgência política, a balança entre os Poderes pende inevitavelmente para o Judiciário.

A solução passa por ajustar o desenho, não por demonizar o intérprete. Proponho, entre outras medidas, dois eixos, simples e que poderiam ser eficazes para equacionar o problema da ‘supremocracia’: a) Quórum qualificado — liminares que suspendam leis ou tributos só podem ser concedidas por, no mínimo, seis ministros, mesmo em regime de plantão; b) Referendo automático — a decisão monocrática caduca se não for validada pelo Plenário em até 30 dias.

Esses filtros não esvaziam o poder contramajoritário do STF; apenas obrigam a corte a decidir de forma colegiada e transparente quando o impacto social ou fiscal é relevante. Ao mesmo tempo, devolvem ao Congresso e ao Executivo a responsabilidade de negociar soluções duradouras, como exige o modelo republicano.

O episódio do IOF revela, portanto, menos um excesso pessoal do ministro e mais uma fragilidade estruturante do nosso sistema. Enquanto não calibrarmos o “termômetro” institucional — permitindo que o Supremo aja como corte de garantias, mas impondo custos procedimentais à hipertrofia cautelar — continuaremos a viver sob o risco de que questões eminentemente políticas sejam resolvidas em despachos singulares.

Fortalecer o STF é, paradoxalmente, impor-lhe limites claros. Só assim o Tribunal seguirá sendo guardião da Constituição sem se transformar, por inércia normativa, no governante de ocasião.

 Autor:

Fernando Fabiani Capano é Doutor em Direito pela USP; Advogado na ASSPM.

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